quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Um civil no voo com a Esquadrilha*

Certa vez, conversando com o Maj. Caldas e Cap. Marcio, ambos me disseram: "Pense muito bem no que você pede, porque seu pedido pode se realizar". Essa frase ficou me martelando nos 27 minutos mais exaustivos que de que tenho lembrança, e vou explicar o porquê.

Como todo grande entusiasta pela Esquadrilha da Fumaça, a vontade de voar com a equipe era grande. Mentalmente, havia criado o roteiro de como seria esse dia: do briefing, passando pela decolagem, depois o famoso banho após o pouso e até o recebimento do tão esperado certificado. Tudo estava dentro de um script impecável! Digo 'estava' porque as reações pessoais durante o voo caíram todas por terra.

Os preparativos

Cheguei na AFA por volta da hora do almoço e tive a companhia da Ten. Josiana neste primeiro momento. Entre diversos assuntos, ela informou como se dariam as tarefas do dia: experimentar macacão de voo e botas, treinamento sobre o uso do assento ejetável, briefing do voo, o voo propriamente dito, pouso, debrifiefing e encerramento.

Após uma breve visita pelo hangar para cumprimentar os amigos, começamos os preparativos de vestir o macacão, revisão do capacete, colocação da câmera de vídeo na aeronave e definição da posição de voo. Feita toda essa etapa, fui, na companhia do Sgt Moraes, ter uma aula sobre o assento ejetável da aeronave.

Sgt André no briefing do assentoO briefing do assento durou quase 1 hora e a atenção do Sgt Moraes quanto à segurança foi enfática. Afinal de contas, o assento é o equipamento que nos salvaria numa situação considerada fatal. Após ele ter feito o procedimento de amarração em si mesmo, mostrando os detalhes, me fez repetir tudo em um equipamento para o treino mais completo. Como todo iniciante, na teoria compreendi tudo, mas no momento prático muitos detalhes que foram ensinados foram esquecidos. Neste momento, concluí que, além de conhecer a aeronave, os pilotos devem possuir uma memória acima da média, pois não basta afivelar o cinto como nos automóveis. O processo de se prender ao banco é demorado e quase ritualístico. Um ponto a mais para esse profissionais.

Semi-escolado nos procedimentos do assento, fui para o briefing de voo onde os pilotos escalados repassam e revisam tudo o que vai ser feito durante a demonstração. Mais uma vez, a prática superou a teoria, pois imaginei que compreenderia as informações repassadas. As únicas coisa que compreendi foram as boas vindas do líder, o Maj. Alexandre, que o treino seria o de ‘mau tempo’, ocorreria sobre o hangar da Esquadrilha e que poderia escolher se voaria na posição de número 6 (ala esquerda externa) ou numa posição menos exaustiva, como a de número 4 (ferrolho). Imaturamente optei por acompanhar o Cap. Escobar, # 6. Neste momento, vi um ar de sorriso de alguns pilotos e veio uma sensação interna de que essa escolha não me traria bons e agradáveis momentos.

Um exercício para demonstração de mau tempo.

À caminho da aeronave, percebi que haviam algumas pessoas visitando as instalações da Academia da Força Aérea e elas coincidentemente tiveram a chance de assistir todo o espetáculo como se fosse uma apresentação exclusiva. E mesmo sendo um número reduzidíssimo de expectadores, os procedimentos que foram seguidos para a decolagem ocorreram como se fosse um grande evento e os protócolos foram todos seguidos à risca.

O 'Ok' da amarraçãoComo eu iria, o Sgt Moraes ajudou na amarração do assento (ufa!) por conta do curto espaço de tempo. Essa correria de aproximadamente 10 minutos, foi vantajosa, pois não deu tempo de amarelar na última hora.

Do fechamento do canopi (vulgo cabine) até a rolagem das aeronaves para a cabeceira da pista, a sensação foi que de era uma outra pessoa e não eu que estava no assento traseiro do Tucano. A profusão de comunicação entre os pilotos-pilotos, torre de comando-pilotos invadia os fones do capacete. O painel repleto de indicadores funcionando, o manche sendo testado e o Cap. Escobar perguntando se estava tudo bem davam a nítida sensação de que era protagonista de uma tomada cinematográfica. Não é possível descrever em poucas linhas todos os procedimentos de segurança e checagem que são tomados antes da decolagem propriamente dita. A parte onde o coração aumenta os batimentos é quando a torre autoriza a decolagem e a equipe 'trava' o avião na cabeceira da pista. Olhando para o lado e vendo os aviões perfilados, rodas travadas e balançando nervosamente por conta da potência do motor, dava uma tensa sensação de que aquelas aeronaves que estavam presas só por um pequeno disco de freio não iriam suportar as exigências dos pilotos. Nesse momento senti que saiu um sorriso nervoso no canto da boca. Engano o meu de que essa seria a primeira sensação de tensão do 'passeio'.

A decolagem foi um balé à parte mesmo visto de dentro! Até hoje me vem a lembrança da equipe se elevando da pista num ângulo de aproximadamente 30°. Todos muito bem sincronizados como se as aeronaves estivessem umas amarradas às outras seguindo a ordem do líder.

Nos primeiros 15 minutos, fiquei entretido com a intensa comunicação entre os pilotos, a movimentação dos comandos para manter a formatura e o apito, algumas vezes ensurdecedor, do Tucano avisando estar voando no limite. Nesse primeiro momento, ainda tive a oportunidade de fotografar e ainda sentir os efeitos da força G sendo aplicada no corpo. A falência do entusiasmo aconteceu quando o suco gástrico começou a andar no sentido inverso. Nesse momento, a ação de segurar o saquinho de enjoo na frente da boca foi inevitável.

Para quem saber como se faz para passar mau dentro de um Tucano.

Essa é a verdadeira sensação de quem voa com a Esquadrilha.Quando percebi que meu corpo não poderia mais brigar com os efeitos amplificados da gravidade, conclui que o melhor seria aproveitar o que pudesse do ‘passeio’. Nas ocasiões onde a força G não exigia muito do corpo, pude prestar atenção na proximidade das aeronaves durante o voo em formatura. Diria que estar sentado no assento traseiro do Tucano e conseguir identificar o piloto da aeronave do lado não é bem a uma sensação muito divertida, pois você se dá conta do quanto os aviões se aproximam uns dos outros. E olhando à distância o Maj. Caldas, na posição isolado (número 7), fazendo as manobras, me fez agradecer por não estar naquela posição.

As melhores imagens não foram registradas, como a dispersão das aeronaves e a bolota, onde a gravidade chega a 3 vezes e meia. O corpo já não respondia direito aos comandos do cérebro e a vontade era de pedir para pousar. Apesar de tudo, outro ponto que me impressionou foi a preocupação constante do Cap. Escobar com meu bem estar (não sei se foi por receio de eu arriscar a puxar a alça do assento). O fato é que, além de se preocupar com o voo, memorizar as manobras e procedimentos, suportar os Gs das acrobacias, ainda sobram momentos de sinapse para se lembrar que há um ‘carona’ no assento traseiro. Minha admiração pelo profissionalismo da equipe só fez aumentar.

O pouso e debriefing

Antes do pouso, o Cap. Escobar, sempre antento, me alertou sobre a colocação da trava de segurança do assento. E nesses minutos finais, o que mais pensava era em fazer tudo dentro dos procedimentos, porque sabia que seria motivo de risos pela falta de resistência, mas não queria ser tachado de desleixado. Banco “pinado” e estava pronto para colocar os pés em terra firme.

A saída da aeronave com o resultado do voo em mãos.Admito que não senti as três rodas tocando o solo, não percebi o alinhamento das aeronaves no taxiamento, nem ouvi o corte do motor ou a abertura do canopi. Quando me dei conta, estava sendo ajudado pelo Sgt Moraes a sair da aeronave, e o que mais desejava naquele momento era ajoelhar e agradecer por estar em terra firme, como se vê nos filmes épicos do descobrimento das Américas. Só não agi assim porque a mente racional deu o tom da caminhada, os olhos miraram em direção ao hangar e a postura se manteve firme para não tropeçar nos próprios pés. Porém, a lembrança que tenho nítida, já na saída da aeronave, foi ver os pilotos perfilados indo dar atenção ao pequeno público presente. É algo que pouca gente reconhece: não é confortável ficar girando lá no alto por 30 a 50 minutos e ainda continuar sorrindo depois do pouso. Ver a postura profissional e a atenção deles para aquele pequeno público me fez sentir orgulho em ser amigo deles.

Apesar de ter praticamente me acabado durante o voo, em terra, a cabeça continuou girando junto com o resto do corpo e permaneci ainda mais 20 minutos sentado no wc sem forças para levantar.

Semi recuperado, fui para a sala de debriefing já sabendo que seria o motivo das brincadeiras coletivas. Além das piadas e dos registros fotográficos feitos pelo Maj. Caldas, a médica Ten. Cristiane, atenciosa e solícita, veio dar o seu parecer profissional*, medindo minha pressão, avaliando o estado geral e dando o diagnóstico favorável que eu não corria riscos fatais.

Outro detalhe me chamou atenção: os pilotos parecem imunes ao efeito das acrobacias. Assim que todos estavam reunidos na sala de debriefing, a fita gravada em terra do voo foi revista diversas vezes sem que nenhum deles expressasse qualquer mau-estar, enquanto eu, prostrado no sofá, tentava a todo custo recolocar o corpo e a mente nos eixos. Além de concluir que eles possuem uma resistência física acima da média, pude perceber que a apresentação não termina quando se sai da aeronave. Ela é revista e revisada com a intenção de deixá-la cada vez melhor.

Recebendo o certificado do Maj. AlexandreO momento desconcertante foi a entrega do certificado de voo feita pelo Maj. Alexandre. Após me levantar e ouvir suas palavras, tentei repetir a atitude, mas não sabia se pensava nelas ou se prestava atenção em não cair e nem gaguejar muito. Educadamente, nenhum dos participantes se divertiu do momento ‘saia justa’ do dia.

Em resumo: a Esquadrilha da Fumaça sempre supera as expectativas, tanto com campo pessoal ,como profissional. Tirando os efeitos colaterais do voo acrobático, a experiência foi para mim um rito de passagem e, assim, sinto-me integrado em definitivo nesta família como o Fumaça Honorário número 46, título recebido por eles no ano de 2010.

E se me perguntassem hoje o que sugeriria aos futuros corajosos? Eu diria que o uso de um Dimenidrinato no pacote de voo é indispensável (coisa que não fiz). E ainda assim só recomendaria esse privilégio para quem tem estômago de aço ou queria fazer pose de herói!

Em tempo: Só fiquei completamente recuperado no dia seguinte, apesar de continuar sentindo o esôfago queimando por mais 2 dias.
… e vou tentar aprender a pedir com muito cuidado as coisas que desejo, porque realmente elas podem acontecer!

* Comentário da Ten Médica Cristiane sobre o parecer dela sobre o meu estado: “Posso contar da palidez e do tremor? Da náusea também? E do atendimento médico, com direito à medida de pressão e Coca-Cola pra aumentar a ‘rusticidade’? Temos provas fotográficas. Sua sorte é q não publicamos no site. Mas, olha, tudo faz parte, viu? Não é pra consolar você, mas, quem voa todo dia, se acostuma (ou não...rs...). O fato é q já passei mal também, volta e meia passo de novo, principalmente em voo de treinamento, como foi o seu. A dica é... Voe mais...até se acostumar!!!”


Vídeo do voo


* Joelson Bernardes é analista de sistemas e conseguiu a autorização para este voo em reconhecimento aos mais de 20 anos trabalhando voluntariamente com a Esquadrilha.
Além de ser Fumaça Honorário número 46 ele atua voluntariamente como administrador do site da Esquadrilha da Fumaça.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Genti-úda tá de férias!

Durante a madrugada, depois de pedir para ser resgatado da cama dele e vir para nossa, Henrique começa a se mexer e cantarolar nos deixando sem muita alternativa a não ser ignorar e fingir que não estávamos ouvindo. Porém depois de um certo momento a insistência de se manter acordado fez com que o papai chamasse a sua atenção:
- Henrique! Quieto! Pare de mexer e zíper na boca!
- 'Zipe' na boca? 'Zipe' na boca? 'Zipe' na boca é na Genti-úda!* E Genti-úda tá de férias!
[Risos dos pais]

*Genti-úda: Gente Miúda é a escola que o Henrique frequenta desde os 6 meses de idade e no período dessa história ela estava de férias.